Enfrentou uma estrada em chamas quando todos lhe diziam ser impossível. Salvou um autocarro onde seguiam 48 pessoas.
Quando saíram de Coimbra, às 18 horas de domingo, já pouco
se via de céu. Os incêndios que atingiram a zona centro no domingo
cortavam a visibilidade, mas nada fazia prever que pouco mais de meia
hora de caminho, o autocarro estivesse rodeado pelas chamas.
“Foi de repente”, conta Eduardo Donas Botto ao SOL. O
condutor da Transdev foi surpreendido por uma “bola negra de fumo e
fogo” a caminho de Viseu, como recorda, e de repente não havia
escapatória.
No meio do caos, em pleno IP3, Eduardo quase que bate num
carro de bombeiros, também eles surpreendidos pelo fogo. Aconselharam a
que desse meia volta, porque o cenário em frente era de fogo ativo. Mas
Eduardo sabia que para trás o percurso não era viável e, contra as
indicações dadas, decide avançar.
Nas redes sociais não faltam relatos dos segundos que se
seguiram: “O vidro ao meu lado estava a ferver, o calor era insuportável
e o ar irrespirável”, conta Ana Fonseca. Sentada uns lugares mais à
frente, Mafalda Lírio escreve na sua página de Facebook que “apesar do
pânico que rapidamente se fez sentir, das chamas que até por cima de nós
passavam, do calor infernal, da falta de oxigénio, [o motorista]
continuou a conduzir”.
Eduardo garante que a decisão foi tomada num segundo. No
meio de gritos, pessoas a rezar e outras tantas a telefonar a familiares
e amigos, Eduardo deu uma garantia: “Posso morrer aqui convosco, mas
não vos abandono”. E arriscou por um IP3 cercado por chamas, que
rapidamente deixaram a traseira do autocarro a arder.
Os bombeiros com quem quase chocou anteriormente foram
acompanhando o percurso e alertaram Eduardo para as chamas que já
estavam a atingir o motor. “Aí disse a toda a gente para fugir a pé”.
Em segundos, os bombeiros apagaram as chamas, Eduardo voltou
ao comando e foi apanhando as pessoas que entretanto seguiam a pé pela
estrada. Seguiu caminho em direção a uma ponte, que parecia ser
território seguro até que foram novamente surpreendidos pelo avanço das
chamas. “Era uns a rezar, outros a ameaçar atirar-se ao rio, um
desespero”, recorda o condutor.
Mas depois destes minutos de terror, o fogo mudou de direção
e deixou de ser uma ameaça. “Foi um milagre”, resume Eduardo, que
recusa o rótulo de herói. “Era fácil ter fugido no carro de bombeiros
quando eles apareceram, mas não podia fazer isso. Fiz o que tinha que
ser feito”.
Regresso à calma
Quando a segurança estava assegurada, os primeiros carros
que estavam presos no IP3 começaram a sair, escoltados pela GNR e só
pararam na estação de camionagem de Coimbra. Em terreno seguro, o
motorista foi invadido pelos agradecimentos de quem percebeu que este
final sem tragédias teve Eduardo como protagonista.
Os passageiros rodearam Eduardo, aplaudiram e um dos
passageiros apelou para que todos mandassem um email à Transdev a
agradecer o ato de coragem.
Mas Eduardo não espera pelos louros. Acredita que foi guiado
“pelo instinto” e por uma coragem que, garante, nem sabe onde foi
buscar.
Ontem, quando contactado pelo
i, estava a
trabalhar. “Era preciso gente, que por aqui ainda está uma confusão. Não
podia dizer que não”, refere. Com 49 anos, conduz autocarros há tantos
anos que já nem sabe especificá-los em números. Mas garante: “Não há
experiência que nos prepare para isto”.
In Sol