sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Bebé de três meses morre em Ambulância

Uma menina de três meses, com graves problemas de saúde, morreu ontem no interior de uma ambulância dos Bombeiros de Cabanas de Viriato – onde além dela apenas seguiam o condutor e a mãe – durante a viagem entre o Centro de Saúde de Carregal do Sal e o Hospital de São Teotónio, em Viseu.

“Morreu ao meu colo”, lamentou ao CM Cidália Fernandes, 32 anos, em estado de choque, mas resignada com o desfecho trágico da curta vida da filha: “Foi bem tratada por toda a gente.”

A menina, Rafaela Monteiro, foi levada pela mãe ao Centro de Saúde de Carregal do Sal em estado grave. Entrou na unidade de saúde às 10h40. Segundo António Freitas, médico que a atendeu, “apresentava dificuldades em respirar”, foi colocada a oxigénio e – como a mãe disse que andava a ser acompanhada no serviço de pediatria de Viseu – o clínico ‘aproveitou’ a presença de uma ambulância dos Bombeiros de Cabanas de Viriato e encaminhou-a para o Hospital de São Teotónio.

O bombeiro, que na altura estava acompanhado de uma colega, com o curso de Técnica de Apoio e Transporte, pegou na criança e deslocou-se ao quartel de Cabanas de Viriato, onde trocou de ambulância – a segunda era mais confortável para a mãe, que levava a menina ao colo. De seguida encaminhou-se para o Hospital de Viseu, onde chegou às 11h40.

Segundo o Gabinete de Relações Públicas do Hospital de Viseu, a menina “já entrou cadáver” mas “foi sujeita a múltiplas manobras de reanimação que se viriam a revelar infrutíferas”. O médico de serviço nas Ur- gências confirmou o óbito, motivado por uma cardiopatia congénita.

A morte de Rafaela Monteiro está envolta em polémica e vai ser esclarecida pela Sub-região de Saúde de Viseu, que já instaurou um inquérito para apurar as circunstâncias em que ocorreu e identificar eventuais responsáveis.

O médico que atendeu a bebé no Centro de Saúde do Carregal do Sal diz que agiu segundo as “elementares normas médicas”, enquanto os Bombeiros de Cabanas de Viriato “apenas cumpriram” o que o clínico lhes pediu.

“Fomos solicitados para fazer o transporte de uma criança do centro de saúde para Viseu. Geralmente, quando se trata de um transporte, como foi o caso, apenas vai o motorista – se fosse uma situação de socorro seguiria também uma equipa médica”, explicou Fernando Campos, comandante dos Bombeiros de Cabanas de Viriato.

MÉDICO DECIDIU NÃO CHAMAR INEM

O médico que tratou a menina no Centro de Saúde de Carregal do Sal disse ao CM que ela foi “bem atendida”. “Tinha dificuldades em respirar. Recebeu oxigénio artificial e depois pedi ao bombeiro para a levar ao Hospital de Viseu onde, segundo a mãe, estava a ser acompanhada”, conta António Freitas, que não sentiu necessidade de chamar uma viatura de emergência médica: “Como estava uma ambulância à porta pedi aos bombeiros para a levarem ao Hospital de Viseu. Na altura estavam lá dois.” Carolina Veloso, directora do centro de saúde, garante que o médico “agiu em conformidade” e lamenta sucedido. “Sabíamos que tinha problemas de saúde, mas o quadro clínico com que se apresentou não levou o médico a pensar que o pior podia acontecer.”

MORTE DE CRIANÇA SEM ASSISTÊNCIA MÉDICA
CARREGAL DO SAL – 10H40
Rafaela Monteiro chega ao Centro de Saúde. O médico opta por não pedir meios de socorro existentes em Viseu e pede aos bombeiros de Cabanas de Viriato para levarem a mão e a bebé ao hospital

CABANAS DE VIRIATO – 11H15
São transferidas para outra ambulância sem mais nenhum tripulante além do condutor. Atrás, a mãe carrega a filha ao colo

VISEU – 11H40
A bebé entra no Hospital de São Teotónio já cadáver e as tentativas de reanimação são infrutíferas. Em Viseu encontrava-se uma viatura médica de emergência e reanimação do INEM

NOTAS
"ELA ESTAVA COM UMA COR ESQUISITA"
Maria Ferreira encontrava-se no Centro de Saúde de Carregal do Sal quando a bebé deu entrada. “Estava com uma cor esquisita. Via-se que não estava bem e precisava de ser tratada”, diz.
MENINA FOI ATENDIDA DE IMEDIATO
Quando a bebé chegou ao Centro de Saúde foi de imediato assistida por António Freitas. “Teve prioridade”, sustenta o clínico


DISTRITO DE VISEU TEM DEZ VIATURAS DE SOCORRO

O Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) dispõe de vários meios que poderiam ter sido accionados pelo médico do Centro de Saúde de Carregal do Sal, incluindo uma viatura médica de emergência e reanimação (VMER), que está localizada no Hospital de São Teotónio, em Viseu.

Recusando-se a comentar os procedimentos do clínico, por desconhecer as circunstâncias em que ocorreu o atendimento, fonte do INEM disse ao CM que, caso tivesse havido um pedido de intervenção direccionado ao centro de orientação de doentes urgentes (CODU), a VMER poderia ter acorrido ao Centro de Saúde de Carregal do Sal ou, em alternativa, deslocar-se ao encontro da doente num ponto previamente definido.

Por outro lado, o INEM dispõe de dez ambulâncias de socorro no distrito de Viseu, sendo que uma é operada pelo INEM e as restantes nove viaturas são tripuladas por bombeiros que têm formação apropriada.

“Em situação de emergência, os bombeiros de Viseu têm ambulâncias de socorro e estão aptos a responder à chamada, quer em termos de resposta de meios técnicos quer em termos de formação, uma vez que podem aplicar ao doente medidas de suporte básico de vida”, garantiu a fonte do INEM.

Recorrer a helicópteros poderia não ser a melhor resposta, segundo a mesma fonte, mas estes podiam ter sido accionados. Estão estacionados em Matosinhos, Tires e em Santa Comba Dão, sendo este último um meio dos bombeiros com equipa médica no período nocturno, entre as 20h00 e as 08h00.

Carregal do Sal tem ainda um posto de reserva do INEM e ambulâncias de socorro.

MÍNIMO DE DOIS TRIPULANTES

O número mínimo de tripulantes de uma ambulância é de duas pessoas, segundo define o Regulamento do Transporte de Doentes, alterado em Abril do ano passado. De acordo com a Portaria n.º 402 de 10 de Abril de 2007 – que reduziu o número de elementos que circulavam no interior destes veículos de emergência – “a tripulação das ambulâncias de socorro é constituída por dois elementos, sendo um simultaneamente condutor”. Acrescenta o documento que “o outro elemento deve ter, pelo menos, o curso de tripulante de ambulância de transporte”. A Portaria, assinada pelos ministérios da Saúde e da Administração Interna, faz ainda referência aos equipamentos cardiovasculares existentes numa ambulância. Assim, o desfibrilador automático externo só é obrigatório nas ambulâncias integradas no Programa de Desfibrilação Automática Externa do INEM.

Tal decisão foi alvo de críticas por parte da Liga dos Bombeiros Portugueses, que considerou um “desinvestimento na qualidade do socorro prestado”.

ENFARTE APÓS ALTA

Uma mulher de 81 anos faleceu na terça-feira à porta do Hospital de Viseu poucos minutos depois de ter tido alta do serviço de cardiologia. Segundo fonte hospitalar, a mulher sofreu um enfarte de miocárdio no passado dia 6 e foi internada no Hospital de Viseu. Após dez dias de internamento e da realização de vários exames, os clínicos deram-lhe alta na terça-feira. Quando encontrou uma sobrinha que já não via há muito tempo no exterior do hospital, a idosa emocionou-se e teve um ataque cardíaco fulminante que lhe provocou a morte, apesar das tentativas de reanimação.

URGÊNCIA COM ESPERAS FATAIS
Nos primeiros dias deste ano já morreram duas pessoas à espera de assistência nas Urgências dos hospitais de Aveiro e Vila Real

TROCA DE AMBULÂNCIA
Durante a viagem o bombeiro foi ao quartel trocar de ambulância

VIAGEM DE 27 QUILÓMETROS
Distância entre Cabanas de Viriato e Hospital de Viseu é de 27 quilómetros

15 SERVIÇOS A FECHAR
Das 15 Urgências hospitalares cujo encerramento está previsto, seis já fecharam e uma (Peniche) encontram-se em stand-by

ENFERMEIROS CONTRA REFORMA
O Sindicato dos Enfermeiros diz que há doentes de risco a serem assistidos por pessoas sem formação, na sequência da reforma das Urgências

REFORMULAÇÃO DA REDE DE VIATURAS
A comissão que apoia a requalificação das Urgências defende a reformulação da rede de ambulâncias e a profissionalização dos tripulantes


Luís Oliveira / J.S. / Cristina Serra
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