“Olhos” postos na prevenção de incêndios
Jovens, desempregados ou escuteiros, de binóculos em punho, vigiam as florestas e ajudam bombeiros a evitar incêndios. Um plano montado pela Protecção Civil que, quase sempre, deixam as chamas vencidas.
São 9h30 e já a sirene toca em sinal de alerta. «Incêndio em mato, em Bostelim, Brasfemes», ouve-se no altifalante que soa por todo o quartel dos Bombeiros Sapadores. Os homens que, minutos antes, se enfileiravam para a primeira chamada, estão agora prontos para mais um ataque às chamas, depois de uma madrugada de “olho aberto” nos reacendimentos.«Começa cedo», reclama Carlos Gonçalves. A meteorologia prevê 30 e muitos graus para Coimbra e o vento sopra surpreendentemente veloz. O dia dedicado a uma “missão especial”: mostrar ao Diário de Coimbra os meios de vigilância das florestas e de prevenção de incêndios, amanhece com preocupação para o responsável da Protecção Civil Municipal.«Este vento está mau para nós. Está a soprar muito forte lá para Norte», havia desabafado, minutos antes do alerta, à chegada ao quartel. O som da sirene veio confirmar o que já previa Carlos Gonçalves. «É preciso ter atenção naquela zona. Se um incêndio pega, arde tudo e haverá populações em perigo», adverte.As chamas alastram em Bostelim, onde este Verão os bombeiros já se deslocaram por quatro vezes. Para incêndios sempre iniciados à beira da estrada, com poucos metros de distância e, quase sempre, durante a noite… É com a preocupação nesta pequena localidade da freguesia de Brasfemes que a partida é dada, rumo a Vale de Canas onde - espera-se - poderá ser vista a coluna de fumo do incêndio que já é combatido por homens das três corporações do concelho.Esta mata, fortemente castigada pelas chamas em 2005, deixa de estar na lista das prioridades mas continua este ano a ter um grupo de jovens a fazer prevenção e vigilância. De bicicleta ou mesmo a pé, sempre de binóculos ao peito, percorrem quilómetros “à caça” de um pequeno sinal.O perímetro de Vale de Canas é passado “a pente fino”, mas o percurso destes jovens, recrutados pelo IPJ, engloba Carapinheira, Casal do Lobo e Dianteiro, locais considerados «prioritários».
Perigo em Torresdo Mondego
Embora há poucos dias as chamas tenham voltado a ameaçar a mata, o trabalho de vigilância não tem dado muitos frutos, felizmente, diga-se. Seja como for, Joana, Nuno e Emanuel sabem bem o que fazer quando for diferente. «Chamar o 117 e tentar, com uma bússola, explicar qual é a localização do foco de incêndio». Depois, é deixar o trabalho para os bombeiros, explica o elemento feminino do “trio” que, juntamente com Nuno, repete uma experiência que os três consideram «muito gratificante», para além do bem que faz à saúde…Os vigilantes do IPJ ficam para trás passam 20 minutos das dez da manhã. As comunicações com a central confirmam a Carlos Gonçalves que «aquilo, em Bostelim, está resolvido». «Era um reacendimento do incêndio de ontem». A viagem pela estrada de Vale de Canas com destino a Torres do Mondego faz-se com menos preocupação, mas num cenário desolador, com hectares e hectares de mata ainda por recompor do violento incêndio de 2005.Na margem esquerda do Mondego avista-se a estrada, aberta pelos militares do Regimento de Espinho, entre os Palheiros do Zorro e os Carvalhos, para facilitar o combate aos incêndios. Na margem direita a vida dos bombeiros está tudo menos facilitada. As ruas são tão estreitas que nem um veículo ligeiro passa, quanto mais um carro de socorro…«É urgente fazer “circulares externas” a estas povoações para o acesso de meios», adverte. Enquanto isso não acontece, os bombeiros continuarão a correr riscos. «Somos obrigados a entrar pelo lado de cima, pela mata, contra todas as regras de segurança», continua Carlos Gonçalves. E o problema não se põe só num incêndio em mato, mas também se as chamas entrarem dentro de habitações.Entre conversas e desabafos, são 10h40 quando o jipe pára em frente ao cemitério de Torres do Mondego. Lá já espera o presidente da junta, António Cardoso, e também Américo Lourenço, homem de poucas palavras mas precioso no trabalho de vigilância e prevenção ao abrigo do Programa Operacional para Carenciados e Subsidiados (POC).«Juntamente com o IPJ, é outro dos meios de que dispomos. Esta, especialmente dedicada às freguesias consideradas de risco», explica Joana Duarte, técnica do Gabinete de Protecção Civil, que acompanha a visita. António Cardoso agradece a inclusão da “sua” Torres do Mondego, até porque, apesar do castigo do ano passado, «nunca se sabe quando é que um indivíduo qualquer não tem um “descuido”…».A manhã continua calma no concelho no que respeita a incêndios. O mesmo não se pode dizer com Montemor-o-Velho. A próxima paragem está marcada para a zona Norte, com passagem pela Cova do Ouro. De lá avistam-se claramente duas colunas de incêndio, confirmadas em Tentúgal e Arazede. É para lá que são chamados os Voluntários de Coimbra, responsáveis pela vigilância e prevenção da zona Sul do concelho. O dever chama, por isso, deixam de ser interlocutores nesta viagem.
Zona Nortede “maior risco”
Entra-se na zona Norte, na de maior risco do concelho. A mancha verde estende-se por muitos hectares e várias freguesias. Os pinhais e pequenas matas particulares estão “recheados” de material combustível. Os declives são especialmente pronunciados e, no fundo deles, vivem centenas de pessoas, em pequenas povoações…Ingredientes mais que suficientes para que a Protecção Civil concentre ali todas as preocupações e destaque para lá muitos “olhos”, dedicados a vigiar e prevenir a propagação das chamas. Três homens fazem a vigilância ao abrigo do POC, mas o protagonismo é dado aos Voluntários de Brasfemes que todos os dias, e até durante a noite, percorrem quilómetros em trilhos labirínticos e muito pouco confortáveis, abertos no meio do mato em busca de um indício de incêndio para ser atacado nos primeiros minutos, com meios que nem sempre são os necessários.«Estamos, como se diz, na “cabeça do touro” no que respeita aos incêndios, mas faltam-nos meios de combate», desabafa o segundo comandante Figueiredo, que encaminha a visita, por entre o mato, agora no jipe do comando dos Voluntários de Brasfemes. A viagem é feita, literalmente, aos solavancos, pelo meio do mato serrado, mas com tempo para lamentar o facto de uma corporação responsável por uma das zonas mais críticas do concelho ter um carro de combate de 1965, … ou seja, com 41 anos. Lamentos de quem, diariamente, tem de lidar com as chamas e sabe bem o perigo que é enfrentá-las em grandes incêndios ou em pequenos “fogachos”, mas sempre em prol da segurança de populações e florestas e contra “mãos criminosas” que, na maioria dos casos, dão que fazer a bombeiros, mas que, algumas vezes, são travados por anónimos que, pagos ou voluntários, se dedicam a vigiar as matas e a prevenir os incêndios. Antes da chegada ao quartel dos Sapadores, onde também funciona a Casa Municipal de Protecção Civil – já passava da uma da tarde – um salto à zona Sul do concelho encaminha o jipe para Almalaguês onde Paulo Pinto coordena escuteiros e jovens do IPJ, dedicados à prevenção e vigilância, e fecha o ciclo montado pela Protecção Civil para combater, até ao final do Verão, os incêndios que ameacem diminuir a mancha florestal do concelho.Como o vento continua forte e o calor é cada vez maior, prevê-se que a preocupação de Carlos Gonçalves se prolongue pela tarde. Para já, a “missão especial” termina com a certeza de que, pelo menos, há muitos “olhos” concentrados em fazer com as chamas sejam as vencidas.
Ana Margalho
Diário de Coimbra
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