Mensagem de prevenção não chega a quem devia
"Portugal sem fogos depende de si." A mensagem inscrita nas campanhas de sensibilização deste ano não está a chegar aos destinatários. Após o choque de 2003, os fogos transformaram-se numa banalidade e são hoje vistos, por muitos, como algo sem solução. Descrédito nas políticas, excesso de informação e mensagens desajustadas são algumas causas apontadas. Especialistas dizem que a aposta tem de passar por campanhas de proximidade.
A indiferença provocada pelo tema é ainda mais grave tendo em conta que a maioria dos fogos são provocados pela acção humana e por negligência. E só a mobilização dos cidadãos pode alterar este cenário. O número de fogos deste mês e as muitas acções de prevenção que ficaram por fazer mostram que esta responsabilidade individual não está a ser assumida pelos portugueses, afirma um responsável do sector.
"Somos cada vez mais espectadores deste problema. Assistimos ao drama dos incêndios pela televisão como se não fosse nada connosco", diz o presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses. Duarte Caldeira mostra-se preocupado com a indiferença da população, que, diz, aprendeu a encarar o problema como algo sem solução. "Verão é sinónimo de férias, mas passou a ser também sinónimo de incêndios."
Enquanto muitos sofrem na pele esta tragédia - que todos os anos leva vidas, casas e manchas florestais - metade do País assiste de longe. Os que se mobilizam, acrescenta, "apenas o fazem quando são vítimas das circunstâncias e o problema lhes bate à porta. Mas encaram isso como uma fatalidade. Os outros não mudam o seu comportamento, continuam apenas a lamentar o assunto."
Este sentimento de "demissão colectiva" é recente, considera Duarte Caldeira. Depois do "choque de 2003", quando o País acordou para o problema, houve oportunidade de inverter as coisas. Mas foi uma oportunidade mal aproveitada. Sucessivas reformas e mudanças no sector - que acompanharam a instabilidade política - transformaram o tema dos fogos "em arma de arremesso político". Especialmente na silly season, época sem notícias e factos políticos. "Quando a mensagem que passa é de que a culpa é dos sucessivos Governos e das suas políticas, a população baixa o alerta e desmobiliza."
Mensagem
E se nem tudo pode ser explicado pela informação, esta também contribui para o problema. Para o sociólogo da comunicação José Jorge Barreiros, a cobertura noticiosa dos fogos é centrada em três abordagens: o drama das pessoas afectadas, o espectáculo das chamas e o funcionamento do dispositivo antifogos. "Este tipo de abordagem é útil para sensibilizar mas não para transformar", defende. Até porque, perante esta abordagem, "as pessoas entendem que é um problema que não é seu e que não podem resolver".
A desadequação da mensagem aos destinatários é o principal problema identificado pelo professor do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE). "A informação é feita para quem está à distância, através de um olhar urbano, e não para as realidades locais." E, desta forma, não chega a quem devia chegar. "É preciso adequar os conteúdos às diferentes realidades do País, explicando às pessoas o que podem ganhar com a prevenção e como a questão pode interferir nas suas vidas. E a forma como isso é feito tem de ter diferente num monte alentejano ou no vale do Ave", porque a malha social, a utilização do solo e a população são diferentes.
Os bombeiros dizem-se disponíveis para ajudar nesta missão. A estrutura local das associações de bombeiros voluntários está próxima da população e poderia ajudar a passar esta informação, adianta o presidente da Liga dos Bombeiros. Contudo, para isso, seria necessário uma estrutura permanente, não assente apenas no voluntariado. "É preciso explicar como é que cada um pode contribuir para a solução", acrescenta Duarte Caldeira. Numa aldeia do interior, trata-se de corrigir actos ligados à prática agrícola, como as queimadas. Nas cidades, o desafio é ensinar os habitantes a comportarem-se no espaço rural. Sem riscos.
Campanhas só a longo prazo
"As campanhas têm como objectivo sensibilizar as pessoas, não mudam comportamentos." A ideia é defendida por Luís Rosendo, da Associação Portuguesa de Empresas de Publicidade e Comunicação (APAP). O representante do sector não duvida da eficácia deste tipo de acções, mas sublinha que "demoram anos a produzir efeitos".
"A mensagem chega às pessoas, mas a mudança de atitudes não pode depender apenas das campanhas. Elas têm de ser vistas como um complemento de acções no terreno." E dá como exemplo outra área em que nada parece mudar: a sinistralidade rodoviária. "Toda a gente está sensibilizada para o assunto, toda a gente sabe que tem de manter a distância de segurança em relação aos outros carros, respeitar a velocidade... mas os acidentes continuam a ocorrer."
Luís Rosendo acredita que a população não é indiferente às mensagem e que, quando confrontada com uma situação real, se lembra do que fazer. "Esse é o papel das campanhas, mas os comportamentos que cada um decide adoptar dependem de muitas outras questões."
Diário de Notícias
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home