terça-feira, 14 de janeiro de 2020

Fogos na Austrália já queimaram uma área maior que Portugal e representam uma "catástrofe ecológica"

Os fogos florestais das últimas semanas na Austrália representam uma “catástrofe ecológica” que demorará décadas a ser superada e que exige um apoio financeiro significativo e mudanças de políticas ambientais, advertem especialistas ouvidos pela Lusa. 
 Mudanças que exigem, necessariamente, medidas concretas para evitar que se “continue a aumentar a temperatura do forno” que está a “cozinhar” o planeta terra, como explicou Stuart Blanch, cientista ambiental e um dos responsáveis do setor de reflorestação da World Wide Fund – Austrália (WWF-A).

“Estamos perante uma catástrofe ecológica, a estimativa é da perda de mil milhões de animais vertebrados, mas sabemos que esse número vai aumentar quando a informação mais precisa for compilada”, disse.
Nas últimas semanas o fogo queimou uma área maior que Portugal – a época dos fogos ainda não terminou – com danos sérios a ecossistemas especialmente na costa leste do país, deixando várias espécies em situação ameaçada ou em risco.
O número de mil milhões de animais mortos baseia-se num estudo realizado em 2007 por um grupo de cientistas especializados em répteis, mamíferos e outros animais que estimava que, em média, havia entre 150 e 160 animais vertebrados em cada hectare do ecossistema.
“O número de mil milhões é uma extrapolação conservadora dessa média de animais tendo em conta os mais de 10 milhões de hectares queimados”, explicou.
Em média, 80% desses animais são répteis, incluindo lagartos e cobras, 12 a 15% são aves e cinco a oito por cento são mamíferos, ficando fora do total morcegos, sapos, peixes e insetos, cujas populações não foram contabilizadas na altura do estudo.
Novos estudos estão em curso para determinar com mais precisão a presença desses e outros animais nos vários ecossistemas da Austrália, para assim permitir avaliações mais detalhadas em casos como os atuais, explicou.
Ainda que animais selvagens e as próprias florestas se tenham vindo a adaptar a fogos ao longo de dezenas de milhares de anos, não implica, nota Blanch, que os animais tenham conseguido escapar aos atuais fogos, de dimensão e extensão fora do normal.
“Os fogos que temos agora não são como no passado. São muito maiores, muito mais intensos, mais quentes, menos previsíveis e muito dos animais não conseguem escapar, até mesmo os pássaros”, explicou.
“O fogo viaja muito rápido e a intensidade do calor acaba depois por alcançar muitos animais que fugiram. E depois há muitos animais que conseguem escapar, mas que acabam por morrer, porque ficam sem habitat, ficam sem comida. Por isso o impacto é desta dimensão”, referiu.
Falta de comida, cansaço dos animais que têm de viajar grandes distâncias e até os que ficam presos em vedações de propriedades agrícolas, acabam por fazer aumentar a perda de vida selvagem.
Anna Felton, da organização ambiental WIRES – que gere uma rede de voluntários envolvidos no apoio à vida selvagem em NSW – diz que é impossível saber quantos animais morreram mas que muitas espécies já estavam com problemas devido à falta de água e alimentos por causa da seca prolongada em vários locais.
A WIRES diz que “nunca na sua história viu um momento de emergências paralelas como as que começaram em novembro” com os fogos a terem um impacto a longo prazo para os animais que sobreviveram.
Só em dezembro, nota, a organização recebeu mais de 20 mil chamadas – mais 14% que no ano passado – com os voluntários da WIRES a realizarem mais de 3.300 salvamentos de animais.
“O fogo não discriminou espécies. E todas são necessárias para o equilíbrio ambiental. Mas ainda é cedo para saber o verdadeiro impacto porque continuamos na fase critica de salvamentos e de cuidados imediatos”, disse Fento em entrevista à Lusa.
Entre os animais em maior risco, Stuart Blanch destaca a população de coalas, “especialmente vulneráveis na costa leste” e que “devem ser considerados sob ameaça de extinção” e o ‘Regent Honey Eater’, pássaro que já estava ameaçado e que perdeu praticamente todo o seu habitat.
Igualmente ameaçado está o Petauroides Volans, uma espécie de marsupial, reconhecido pela sua longa cauda, e que vive tradicional em grandes florestas em Victoria e NSW.
“Quando há fogo, como os coalas, estes marsupiais tendem a subir pelas árvores o que é bom em casos de fogos pequenos de menor intensidade. Mas não neste caso com fogos desta dimensão, com colunas de chamas de 50 metros, simplesmente ficam carbonizados no alto das árvores”, recordou.
Os ratos-cangurus, outro marsupial que vive nestas zonas, estão igualmente em perigo, já que são animais “que não voam e não conseguem trepar”, acabando por morrer incinerados nos fogos.
Em risco critico de extinção está igualmente o Gymnobelideus Leadbeateri, outra espécie de marsupial, que depende das “grandes florestas húmidas” com outras espécies de cangurus e marsupiais, catatuas, pardais e corujas, na lista de preocupações, referiu.
Stuart Blanch sublinha que mesmo havendo as condições e o apoio necessário – com um grande programa de reflorestação e apoio ambiental, “o processo de recuperação demorará pelo menos 10 anos”.
Para isso, defende, “é preciso algo equivalente ao Plano Marshall para ajudar a recuperar as florestas na Austrália” que é hoje um dos pontos quentes – a par da Sibéria, amazónia, Congo e Indonésia – em termos de fogos florestais.
“As florestas são vistas como obstáculo ao progresso, mas são uma solução natural para o clima. Por isso temos que pagar a quem tem florestas para as cuidar. Isso reduziria 15 a 20% das emissões. É algo que temos que fazer globalmente”, afirmou.
No caso da Austrália, reflorestar o país – com 10 milhões de hectares de florestal – exige “biliões de dólares e um programa a 10 anos”.
In Sapo24