“Não temos onde pôr um pé que não esteja tudo ardido”
O fogo que ontem atingiu
Oliveira do Hospital, por via da freguesia de S. Gião, consumiu mais de 600
hectares de floresta e ameaçou várias populações que chegaram a ser evacuadas.
Passada que parece estar a tormenta, o ambiente é mais
calmo em Rio de Mel, mas nada apaga a escuridão da paisagem que, em cada
momento, faz reviver as horas dramáticas vividas desde o final da tarde de
ontem.
Pequenas colunas de fumo,
cinza...muita cinza, carros de combate a incêndios e das forças de segurança e
muitos bombeiros espalhados um pouco por todo o lado, atentos a uma qualquer
reativação...
Este é o cenário a que
deu lugar o intenso incêndio que, ao final da tarde de ontem, invadiu o concelho
de Oliveira do Hospital, propriamente, na localidade de Rio de Mel e outros
lugares adjacentes, na conhecida freguesia de S. Gião.
Feroz e com uma
velocidade estonteante assim é descrito por várias pessoas o fogo que consumiu
mais de 600 hectares de floresta, destruiu terrenos de cultivo e casas de
arrumos, causou prejuízos materiais incalculáveis e chegou a colocar populações
em risco.
“Parecia o diabo que
vinha de cima”, contou há instantes o presidente da Câmara Municipal de Oliveira
do Hospital que, na deslocação que efetuou à localidade de Rio Mel, recordou
junto de populares o drama ontem vivido e que chega a “assustar qualquer ser
normal”.
Numa altura em que o
pior – pese embora as frequentes reativações – parece já ter passado, os
populares confessam-se ainda receosos, porque a temperatura se mantém elevada e
o fogo que ontem assolou a localidade recuou ao concelho de Seia, mas ainda não
está dominado.
“Já cá tivémos muito fogo, mas
como o deste ano não”, desabafou Francisco Santos, habitante de Rio de Mel, que
se viu forçado a retirar as ovelhas da quinta para uma pequena loja que tem em
casa para as salvar das chamas. Dada a gravidade da situação e a intensidade do
fogo que – dizem -chegou a atingir 50 metros de altura, o popular também acedeu,
por indicação da Proteção Civil, à evacuação da mãe que se encontra acamada e da
filha menor. “Nós ficámos aqui”, contou a esposa, visivelmente transtornada com
o cenário a que ontem foi obrigada a presenciar, tendo chegado a temer que o
fogo atingisse a povoação.
Vítor Silva, 58 anos,
relatava hoje também a situação de verdadeiro terror por que passou, vendo até a
sua própria vida ameaçada. “Fui à minha quinta, mas logo desatei a correr porque
as chamas corriam mais do que eu”, contou hoje bem mais tranquilo, recordando a
ajuda que lhe foi dada por um carro que na altura por ali passava e o ajudou a
fintar o feroz incêndio.
Em momento de maior calmia, o
popular faz contas à vida que não perdeu e tem a contabilizar 70 mil metros de
mata e terrenos de cultivo ardidos e duas palheiras. “Prejuízos incalculáveis”,
conta, tendo também a lamentar o cenário de destruição que avista da localidade,
onde o verde da paisagem deu agora lugar ao negro da cinza. “Não temos onde pôr
um pé que não esteja tudo ardido”, lamentou. No dia após o trágico acontecimento
só comparável aos incêndios ocorridos em 2005 e 2003, a fadiga estava estampada
no rosto de cada um que enfrentou a velocidade das chamas e que hoje, em momento
de maior sossego, se vão repousando por aqui e por ali.
Porque o fogo foi grave e
intenso de mais, hoje o dia obriga a total vigilância e o corpo de comando de
bombeiros não arreda pé e tem todos os sentidos centrados no que ali poderá vir
ainda a ocorrer. Gente que tal como todas as pessoas tem a sua vida, mas não
desiste de combater o fogo e salvar pessoas e haveres da comunidade. Gente que
sente e também chora...
In "Correio da Beira Serra"
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