Incêndios. Em dois meses houve mil fogos que começaram de noite
Presidente da Liga Portuguesa dos Bombeiros defende “esquadrão de vigilância” que funcione 24 horas por dia e envolva militares, forças de segurança, bombeiros e autarquias.
“Não é às 22h30 que nasce um incêndio em Idanha e podemos culpar o sol.” A afirmação foi feita esta terça-feira pelo secretário de Estado da Administração Interna, Jorge Gomes, que se deslocou ao teatro de operações no Fundão e estranhou que tivesse começado, já durante aquela noite, um incêndio em Idanha-a- -Nova. Segundo uma análise feita pelo i aos dados tornados públicos pela ANPC, este está longe de ser um fenómeno pouco comum. Nos últimos dois meses, um quinto dos incêndios tiveram início entre as 22h e as 7h.
O i solicitou dados ao Ministério da Administração Interna sobre o número de incêndios com início durante a noite nas últimas semanas. O MAI remeteu a informação para a Autoridade Nacional de Proteção Civil que, por sua vez, remeteu para o relatório provisório de incêndios do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). O último documento tornado público pelo ICNF apresenta o balanço até 31 de julho, mas nada diz sobre a hora de início das ocorrências. Um levantamento feito pelo i nos registos da ANPC online revela, porém, a dimensão deste fenómeno, com alguns fogos provavelmente ligados a projeções de outros incêndios em curso na altura e outros em áreas mais isoladas.
Este ano, depois da tragédia de Pedrógão Grande e até ontem, tinham sido registados 5012 incêndios rurais em matos ou povoamentos florestais. Destes, cerca de 1100 tiveram início entre as 22h e as 7h, a janela temporal utilizada pelo i para fazer o levantamento dos fogos com início durante a noite.
Segundo a informação disponível no site da ANPC, há registo de incêndios com início a todas as horas da madrugada, a maioria a ser controlado com poucas dezenas de homens. Um destes fogos noturnos que viria a mobilizar mais meios foi precisamente o de Louriçal do Campo, Castelo Branco, para o qual foram destacados 452 operacionais. Também o fogo de Mação, que ontem durante o dia não ficou controlado, teve início às 00h01 de quarta-feira, já depois das declarações de Jorge Gomes, que considerou que os fogos que começam durante a noite não podem ter mão bondosa.
Analisando as horas de início dos maiores incêndios registados este ano – listagem que ainda só está disponível até 31 de julho e por isso exclui os grandes fogos deste mês – percebe--se que também o fogo de maiores proporções de Alijó, a 16 de julho, começou pela 1h55.
Questionado pelo i sobre se irá ser solicitado algum estudo sobre este fenómeno e se está prevista alguma campanha ou proposta de lei no sentido de ser reforçada a penalização dos atos de incendiarismo, o MAI informou não estar previsto qualquer estudo sobre esta matéria, remetendo questões relativas à moldura penal para o Ministério da Justiça, que ontem não respondeu às questões do i. Já em matéria de sensibilização, o MAI recorda que a 3 de abril arrancou a campanha “Portugal sem fogos depende de todos”, com vista a alertar para a necessidade da limpeza da floresta à volta das habitações e apelar ao fim dos comportamentos de risco.
Jaime Marta Soares, presidente da Liga Portuguesa dos Bombeiros, defende que é necessário um reforço dos mecanismos de vigilância e deteção dos incêndios, não estranhando o elevado número de ocorrências à noite. “Sendo realista, o secretário de Estado da Administração Interna diria que 80% dos incêndios têm mão criminosa. E 98% têm origem em atividades humanas. A maioria são situações de fogo posto, havendo outros casos de negligência, que também pode ser criminosa.” Por este motivo, Marta Soares lamenta que, caminhando-se para os 9 mil incêndios registados desde o início do ano, só tenham sido detidas cerca de 60 pessoas pelo crime de incêndio florestal, questionando ainda por que motivo alguns presumíveis incendiários ficam apenas sujeitos a termo de identidade e residência, correndo o risco de reincidir. “Alguns chegam mais depressa a casa do que o agente que correu, em alguns casos, risco de vida para os deter.”
Mas em termos de detenção, Soares acredita que também existem lacunas, apesar do alerta reforçado este ano em torno do perigo dos fogos. Uma das 150 questões que a Liga dirigiu à comissão independente de peritos que investiga a tragédia de Pedrógão é quantos postos de vigia estão operacionais este ano na floresta, com que tipo de meios humanos e em que períodos do dia, tendo relatos de postos de vigilância que não estão a funcionar durante a noite. “É preciso um esquadrão de vigilância que envolva militares, GNR, sapadores florestais e as próprias câmaras municipais e juntas de freguesia”, defende o dirigente, que acusa também a maior burocracia na estrutura de comando de prejudicar uma atuação mais rápida. “Sou do tempo em que os postos de vigia da Direção-Geral das Florestas até tinham ligação via rádio à corporação de bombeiros da região e a comunicação era logo feita. Estes modernismos falhados levaram a comunicação a passar ao CDOS, que dá o despacho. Dantes, a comunicação era feita em milésimos de segundo e, depois, os vigilantes conheciam tão bem a floresta que íamos lá ter direitinho.” Com T. C.
In Jornal i
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