quinta-feira, 19 de setembro de 2024

A minha casa ardeu, perdi o carro, um animal morreu. O que faço agora?

 

Há vários pormenores que podem fazer diferença na hora de receber o dinheiro da seguradora

Ardem carros, habitações, armazéns, anexos e até animais. Desde domingo, a área ardida em Portugal continental já ultrapassa os 70 mil hectares, de acordo com o sistema europeu Copernicus.

A devastação causada pelos incêndios tornou-se uma realidade diária para muitos, trazendo consigo a perda de bens essenciais e várias dúvidas sobre como proceder quando se perde tudo, mesmo que o Governo tenha anunciado a criação de uma equipa para avaliar os estragos e garantir que tudo é resolvido o mais rápido possível.

“As pessoas ainda estão a viver o caos”, aponta Tânia Santana, jurista da Deco, prevendo que só na fase do rescaldo é que as vítimas dos incêndios do Norte e Centro do país “vão ter capacidade para tentar perceber os prejuízos”. 

Neste contexto, as seguradoras desempenham um papel fundamental. Quem tiver seguro, pode acionar a apólice, mas o que será coberto depende do que foi contratado previamente. “É fundamental ter presente as coberturas e exclusões que constam no contrato”, sublinha a jurista, enfatizando a importância de rever os detalhes da apólice.

À CNN Portugal, o advogado Rui Mesquita, sócio da Antas da Cunha ECIJA, lembra que quando alguém compra uma habitação, normalmente tem seguro, uma vez que “os bancos o exigem”. 

No entanto, grande parte dos portugueses não tem. Estes são conhecidos como “consumidores vulneráveis”, de acordo com Tânia Santana, e dependerão dos apoios que o Estado possa criar. O Governo já prometeu “apoios públicos abundantes” para a reconstrução de casas destruídas pelos incêndios, nomeadamente as de primeira habitação.

No entanto, o ministro Adjunto e da Coesão Territorial, Manuel Castro Almeida, ressalvou que “cada caso é um caso”. Para calcular o possível custo de reconstrução de imóveis, a Associação Portuguesa de Seguradores desenvolveu um simulador

A pensar nos consumidores mais vulneráveis, a Deco defende “a criação de um fundo de catástrofe gerido pelo Estado” para apoiar as vítimas destes fenómenos.

Tânia Santana aponta ainda dois cenários típicos que um consumidor pode enfrentar em situações de incêndio: o segurado, cuja apólice inclui cobertura para incêndios, e o desprotegido, que tem um seguro que exclui essa cobertura, ficando assim vulnerável.

O seguro mais comum é o multirriscos de habitação. “É o que todos nós deveríamos ter nas nossas casas”, comenta a jurista, explicando que este tipo de seguro não só protege o imóvel, mas também o recheio e as componentes acessórias - desde que estejam devidamente detalhadas na apólice.

O valor da indemnização dependerá do que a apólice cobre. “Por isso, cada situação é diferente".

Ardeu uma casa

Quando uma casa é destruída por incêndio, é essencial verificar se a apólice cobre esses casos. Se cobrir, é necessário confirmar se diz respeito apenas ao próprio imóvel - representando apenas “as quatro paredes”, esclarece Tânia Santana.

Caso o tomador do seguro assim o exigir, a cobertura poderá atingir o "recheio da casa", que inclui bens móveis. No entanto, a avaliação dos danos pode ser um processo complicado, aponta Rui Mesquita. O especialista em direito indemnizatório e seguros ressalta que é necessário demonstrar que o valor dos itens destruídos atinge o montante global estipulado na apólice. E acrescenta: “Bens como eletrodomésticos são mais fáceis de calcular por deixarem vestígios, mas itens especiais, como dinheiro ou joias, podem desintegrar-se, complicando a avaliação”. 

Além disso, Tânia Santana observa que componentes como piscinas, muros e jardins podem ser incluídos na apólice, desde que especificados.

Há quem tenha perdido casas de férias, outros perderam a chamada casa de família. Nesse sentido, Rui Mesquita distingue que “o valor do seguro de uma primeira habitação difere de uma segunda”. E explica que por as segundas casas costumarem estar desabitadas por longos períodos, o risco é maior, resultando em franquias mais altas. 

Morreu um animal

Rui Mesquita destaca ainda que, juridicamente, os animais já não são considerados "coisas", mas sim seres vivos com valor patrimonial. Portanto, tanto animais domésticos quanto outros animais podem estar protegidos. Seguros específicos podem cobrir situações como a morte de um animal em casos de incêndio ou outros acidentes.

Perdi o carro

A perda de um carro em incêndios pode ou não ser compensada, dependendo do tipo de seguro contratado. Se for um “seguro contra todos os riscos”, o carro está coberto, conforme explica o sócio da Antas da Cunha ECIJA. “Este tipo de apólice costuma abranger danos resultantes de choques, incêndios, furtos ou roubos, fenómenos da natureza e até vandalismo”. Já os "seguros contra terceiros" não cobrem danos de incêndio.

Terreno agrícola nem vê-lo

Os seguros multirriscos de habitação não costumam cobrir terrenos agrícolas ou maquinaria associada à atividade agrícola. Para esses casos, “há seguros específicos de agropecuária” que protegem agricultores contra incêndios, como explica o advogado. 

Desafios e prazos na relação com as seguradoras

Ao lidar com seguradoras, as surpresas são frequentes. Apesar de haver “uma tendência para a compaixão”, os consumidores são muitas vezes “surpreendidos pelo valor dos capitais ou pelos peritos que dificultam o processo”, observa o advogado Rui Mesquita.

Enquanto Tânia Santana recomenda que as vítimas dos incêndios acionem o seguro “assim que tiverem disponibilidade para o fazer”, Rui Mesquita alerta que o prazo típico para comunicar um sinistro é de três anos, o que corresponde ao prazo de prescrição legal.

No caso de problemas como a recusa de indemnização ou pagamentos insuficientes, Rui Mesquita aconselha o consumidor a procurar apoio de um advogado para contestar a decisão.

A Deco está “solidária e disponível” para ajudar no processo burocrático, garante Tânia Santana.

A culpa é do vizinho

O especialista em direito indemnizatório e seguros aponta casos especiais onde terceiros podem ser obrigados a indemnizar os afetados pelos incêndios. Um exemplo é quando “um vizinho não mantém o terreno limpo, permitindo que o fogo se propague”. Nesses casos, “o vizinho pode ser considerado co-responsável pelo agravamento dos danos e obrigado a indemnizar os afetados”, explica Rui Mesquita.

Também podem existir “falhas na coordenação de entidades públicas, como ocorreu no incêndio de Pedrógão”. Em acidentes de trabalho que envolvam bombeiros ou polícias, os seguros de acidentes de trabalho e de vida podem cobrir tratamentos, baixas e indemnizações para as vítimas e suas famílias, acrescenta Rui Mesquita.

In CNN