segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Incêndios. Alcafaz, no Caramulo, é aldeia exemplo de autoproteção

Na encosta da Serra do Caramulo, Alcafaz é hoje considerada um exemplo do programa “Aldeia Segura, Pessoas Seguras”, devido ao dispositivo de proteção contra o fogo criado pela vontade do povo, com a ajuda do poder local.
Placa indicativa do “ponto de encontro” em caso de incêndio, instaladas em vários locais na aldeia de Alcafaz, na encosta da Serra do Caramulo, hoje considerada um exemplo do programa “Aldeia Segura, Pessoas Seguras”, devido ao dispositivo de proteção contra o fogo criado pela vontade do povo, com a ajuda do poder local, Alcafaz, Águeda, 6 de setembro de 2019. PAULO NOVAIS/LUSA © 2019 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A.


Foi aberto um estradão que envolve a aldeia num anel de segurança e no interior foram arrancados os eucaliptos junto às casas e substituídos por árvores de fruto.
A abundância de nascentes foi aproveitada para armazenar água em depósitos de grande capacidade, que alimentam por gravidade quatro bocas de incêndio, equipadas com mangueiras que chegam a todas as casas, e uma delas ainda dá para abastecer autotanques dos bombeiros.
A situação, apesar do perigo potencial, por se tratar de uma aldeia a meia encosta numa zona de denso eucaliptal, é hoje bem diferente da de 2016, em que “só não arderam as casas e ardeu tudo à volta”, e de 1986, quando se deu o grande incêndio do Caramulo, em que morreram vários bombeiros e que acabou extinto ali.
Percebe-se logo ao virar para a estrada municipal que dá acesso a Alcafaz: depois de umas quantas curvas, um grande painel informativo com diferentes cores e um ponteiro indica o grau de risco de incêndio, consoante a temperatura e humidade. O grande ainda ponteiro é mudado manualmente pelos sapadores florestais, mas a ideia é automatizá-lo com sensores.
Prosseguindo pela estrada sinuosa chega-se ao aglomerado de casas com ruas estreitas em declive e uma modesta capela. Em cada esquina estão afixadas placas indicativas do “ponto de encontro”, para onde as pessoas devem convergir quando há fogo, para aguardarem que o perigo passe ou mesmo serem evacuadas se a situação o justificar.
“Esta é uma aldeia exemplo, porque tem toda esta complementaridade de defesa e do trabalho que foi feito pelos locais, pela junta e pela câmara, de defesa perimétrica da aldeia. Dentro do projeto "Aldeias seguras, pessoas seguras" o fundamental é proteger as pessoas”, considera António Ribeiro, comandante distrital de Aveiro da Proteção Civil.
José Carlos foi um dos mentores do que ali começou a ser feito, mesmo antes do programa “Aldeia Segura, pessoas seguras”.
“A ideia surgiu a partir de uma caminhada. Um dia, ao ver por onde é que havia de passar o percurso surgiu a ideia de fazer o estradão para termos um pouco de descanso com quem cá está, porque temos cá a nossa família, mas muitos de nós não vivemos aqui”, recorda.
A população mobilizou-se e ofereceu os terrenos, a câmara agarrou na ideia e concretizou-a.

O presidente da câmara, Jorge Almeida, enaltece a disponibilidade dos proprietários para ceder os terrenos e cortar os eucaliptos: “A câmara assumiu-se imediatamente como parceiro. Não podia deixar cair esta vontade genuína das populações”.
“A câmara construiu o estradão e as infraestruturas de apoio necessárias para o primeiro combate e proteção das pessoas. A colaboração e envolvimento da população foi essencial para desbloquear as questões administrativas e burocráticas que se levantam quando estamos a falar numa zona de minifúndio”, concretiza Glória Costa, chefe de divisão da autarquia.
Glória Costa adianta que o gabinete municipal de apoio ao agricultor está também a apoiar a plantação de árvores de fruto onde foram arrancados eucaliptos, para que as pessoas possam obter algum rendimento.
Com o estradão, ligação entre depósitos, carretéis e mangueiras, o investimento municipal já vai nos 50 mil euros, valor que duplicará com a construção de um novo depósito de 500 mil litros, a somar capacidade ao de 100 mil litros já existente, para abastecer helicópteros.
Vítor Silva, da proteção civil municipal, descreve o dispositivo: “temos uma rede de combate de incêndios interna com cobertura total. Tem quatro bocas com mangueiras que chegam a toda a aldeia”.
“É um risco acrescido as pessoas fugirem, como ficou provado em 2017. A ideia do projeto é arranjar um local seguro, no centro da aldeia, em que o risco diminui e, com o apoio dos oficiais de segurança, procura-se saber quem está na aldeia, se falta alguém e que se concentrem atempadamente nesse ponto. Mesmo que tenha de ser planeada uma evacuação, escusamos de andar a bater a cada porta”, sublinha o comandante do Comando Distrital de Operações e Socorro (CDOS), António Ribeiro.
O abrigo escolhido é um inesperado Alojamento Local “perdido” na Serra e explorado por Adelaide Pereira, com piscina e jardim privado, resultado da recuperação de uma casa da família, a que não faltam clientes.
“Temos tido bastante ocupação na maioria de estrangeiros e já passaram por cá 13 nacionalidades. Eu recebo os clientes em Águeda e faço algum enquadramento. Depois trago-os até cá cima e têm à sua espera o nosso espumante e um bolo de boas vindas. Quando fazem a reserva, está descrito no portal que o AL é ponto de encontro da proteção civil, em caso deincêndio”, explica.
Pela lotação e condições, a casa foi escolhida para proteger as pessoas em caso de incêndio e é com naturalidade que Adelaide Pereira colabora: “sou daqui e gosto disto!”.
In Sapo24